A Superação de Maria: a sensação de poder falar é simplesmente como a liberdade!
“Os momentos mais difíceis que eu me lembro era quando eu trocava de escola (e eu troquei bastante) ou quando chegava em algum novo grupo e precisava me apresentar, na maioria das vezes minha mãe ia comigo e explicava para alguém a questão de eu não falar, o que nem sempre era compreendido tão facilmente. As vezes nas escolas que eu estudei ela conversava com alguma coordenadora, mas nem sempre o caso era passado para todos os professores.
Eu odiava mesmo eram os primeiros dias de aula, onde quase todos os professores fazem a mesma coisa, pedem para todos os alunos, por ordem como estão sentados em fileiras, se apresentarem, eu sempre esperava ansiosamente a minha vez e quando ela chegava era o silêncio que predominava por toda a sala, as vezes o professor dizia “ah… você que é a Maria?
Algumas vezes algum aluno intervia: “o nome dela é Maria?… “Ela não fala” em outras vezes só o silêncio mesmo e se passava a vez para o próximo aluno… E isso aconteceu até a faculdade, cada semestre, sempre algum professor novo, ou algum colega de sala.
Quando criança era em algumas brincadeiras que de certa forma o mutismo me atrapalhava, algumas delas onde eu precisava usar a voz para brincar, as vezes era adaptável, outras eu simplesmente não me juntava aos demais, para não ter que passar por aquela situação.
Hoje as vezes eu penso: como podia eu ter amigos se eu nem falava com eles? Mas sempre disseram que eu tinha minhas maneiras de me expressar e eu sempre tive amigos, em todas as fazes da vida, mas a gente vai crescendo e precisa dar um jeito de expressar as ideias de alguma forma, se quando criança por gestos e mímicas, na adolescência comecei a usar a escrita, com os amigos da escola, onde papel e caneta estavam sempre à mão, mas nem sempre é fácil ter um papel e caneta o tempo todo e com a tecnologia e meu primeiro celular eu comecei a me comunicar por mensagem.
Algumas vezes se a pessoa com quem eu queria falar estava perto eu escrevia a mensagem e logo mostrava, mas com o tempo até isso foi se tornando um pouco complicado e aos poucos eu fui começando a falar sem som. Meus amigos tinham que me entender por leitura labial, o que muitas vezes me deixava muito tímida, as vezes me fazia sentir mais estranha do que o fato de não falar.
Fora a parte de me sentir estranha, não é fácil fazer leitura labial, muitas vezes era difícil para as pessoas me entenderem, o que foi me deixando cada vez mais agoniada. Acho que muitas vezes era isso que eu sentia, uma espécie de agonia, como se tivesse algo preso dentro do meu peito e eu só quisesse abrir uma portinha ali e fazer tudo aquilo sair… botar pra fora, mas não era tão simples assim. Acho que isso foi me chateando de uma forma que chegou a um ponto que eu já não aguentava mais, eu só queria ser “normal”, falar, como todo mundo fala.
Veio então a idéia de uma prima minha, de ir morar em outro estado. Eu adorei a idéia e com o tempo eu fui vendo essa possível ida como uma porta de saída para o Mutismo, aquela luzinha no fim do túnel. Um lugar diferente, ninguém que conhecesse aquela Maria com mutismo seletivo; então eu decidi que era hora de tentar! Não foi fácil, mas também não foi tão difícil.
Eu me mudei com ela em fevereiro de 2013, no começo eu não falei muito, falava baixinho, mas com o tempo eu fui me soltando um pouco mais. E a sensação de poder falar é simplesmente como liberdade, eu me senti livre, capaz de fazer qualquer coisa que eu quisesse.
A parte difícil era voltar para minha cidade natal, visitar a família e amigos e voltar a ser a Maria com o mutismo seletivo, falando por leitura labial, o que me aborrecia bastante, pois depois de experimentar a liberdade era quase como uma tortura para mim… Uma coisa que eu sempre quis muito fazer, mas eu nunca pude, era um intercâmbio. Na verdade, minha mãe sempre me dizia para estudar inglês, mas foi outra coisa que o mutismo me atrapalhou bastante, eu nunca tive interesse em estudar até porque os professores não ligavam muito pra mim… Eu não ia falar mesmo, não fazia prova oral e coisas desse tipo.
Minha vontade de intercâmbio não era só pelo inglês, mas por tudo que parecia ser para mim, sair do país, morar em outro lugar, e depois de morar em outro estado o que eu mais queria era fazer um intercâmbio, comecei a fazer um curso de inglês, e pela primeira vez em uma sala de aula eu pude me apresentar.
Estudei inglês por alguns meses e comecei a planejar a viagem, a princípio seria só um mês em Malta, com a possibilidade de talvez ficar mais ou ir para outro lugar. Pois bem, eu fiquei um mês em Malta depois viajei por cerca de 15 dias por alguns países até parar em um país específico, onde eu ficaria por mais pelo menos 6 meses estudando. Quando eu saí de casa meu inglês era quase nada, mas com certeza isso não me preocupou, eu sempre dei o meu jeitinho de me comunicar, sem precisar dizer uma palavra. Fiz meu curso de 6 meses na Europa e minha mãe queria muito que eu voltasse, então eu fui para o Brasil, mas só para passar as festas de fim de ano.
Foi ainda mais difícil voltar a ser aquela Maria do mutismo, rever algumas pessoas, e ter aquele mesmo sentimento de antes… muitas vezes me perguntaram o que eu sentia e eu nunca soube responder…, mas é algo como agonia, como se tivesse algo preso no peito… algumas vezes a ponto de explodir.
Quando eu fui para outro estado, eu cortei algumas amizades, achando que as coisas seriam mais fáceis. Algo como fazer novos amigos e riscar todos os antigos da minha vida…, mas não é simples assim; eu mantive duas das minhas amizades, uma delas também está fazendo intercâmbio a outra continua na nossa cidade natal, então foi a única que eu vi nesse fim de ano… e foi difícil, mais do que antes, quando eu voltava de Minas, o que também acontecia com mais frequência. Depois de um longo tempo sem ver muitas pessoas das quais eu não falo, alguns familiares também, dessa vez parece que esse sentimento só aumentou, como se o espaço estivesse pequeno para Maria com o mutismo dentro de mim. Mas ela está ali e não tem para onde correr.
Enfim, eu fiquei por cerca de um mês no Brasil e voltei para a Europa, focada em arrumar um emprego e poder ficar mais tempo por aqui, comecei a trabalhar como babá para uma família pelo período de um mês e em uma casa noturna aos finais de semana. Eu brinquei que nunca tinha trabalhado tanto na minha vida, o que foi outra coisa que o mutismo me privou, de trabalhar… eu tive uma rápida experiência em Minas, dando aulas de ginástica laboral e só.
Este relato foi recebido por internet e está autorizado a ser publicado uma vez que a identidade da paciente seja preservada.